Nas últimas décadas muito vem sendo discutido sobre o rastreamento do câncer de pulmão (CP). Em 2020 tivemos 2,2 milhões de novos casos de CP no mundo, com 1,8 milhões de mortes (18,4% de todas as mortes por câncer), mostrando a alta taxa de letalidade do tumor. Infelizmente, a maioria desses pacientes foi diagnosticada em fase avançada da doença, já sem possibilidade de tratamento curativo ou aumento de sobrevida.
A eficácia do rastreamento anual por to-mografia computadorizada de baixa dose (TCBD) na redução da mortalidade por CP foi confirmada em vários ensaios clínicos internacionais. O National Lung Scree- ning Trial (NSLT), de 2011, demonstrou a redução de 20% da mortalidade por CP nas pessoas submetidas à tomografia anual quando comparada aos pacientes submetidos à radiografia do tórax, em uma população considerada de risco. Em 2020, o estudo NELSON, introduzindo a avaliação tomográfica volumétrica, resultou em uma redução da mortalidade por câncer de pulmão em 10 anos de seguimento de 24% em homens e 33% em mulheres, em comparação com nenhum rastreamento.
No Brasil, em 2011, ano da publicação do estudo NLST, foi desenvolvida a iniciativa ProPulmão, com o intuito de procurar evidências e promover educação e assistência para a prevenção e detecção precoce do câncer de pulmão no país. Ricardo Sales, cirurgião torácico do Hospital Israelita Albert Einstein-SP, professor do Centro Universitário SENAI CIMATEC-BA e idealizador do Propulmão, conta que “com apoio do Ministério da Saúde e da Sociedade Beneficente Israelita Hospital Albert Einstein foi possível desenvolver e aplicar um primeiro protocolo de rastreamento, publicado no JBP em 2014 e que, desde então, várias atividades de educação médica foram realizadas (Propulmão360), inclusive com a execução do encontro do I-ELCAP (International Early Lung Cancer Action Group)”. Como consequência, alguns trabalhos foram publicados com da- dos nacionais, tais como o BRELT1 (2016) e BRELT2 (2022), evidenciando bons resultados em quase quatro mil pacientes rastreados: com taxas de biópsia (3%) e diagnóstico de câncer (2%) compatíveis com os estudos internacionais.
Com tantas evidências, inclusive nacionais, validando o rastreamento do câncer de pulmão, nosso colega Daniel Bonomi, cirurgião torácico do Hospital das Clínicas da UFMG e diretor cientifico da SBCT, teve a iniciativa de unir as Sociedades Brasileiras de Cirurgia Torácica, Pneumologia e Radiologia em um projeto conjunto de elaboração do I Consenso Brasileiro de Rastreamento do Câncer de Pulmão, que deverá ser publicado no final desse ano. A primeira reunião ocorreu em maio e a equipe conta com médicos das três especialidades, sendo coordenada por Daniel Bonomi (SBCT), Ri- cardo Salles (SBCT) e Luiz Pereira (SBPT). Para esse grupo de trabalho foram convidados profissionais com atuação prévia em projetos de rastreamento e outros de notório saber na comunidade médica, em programa de treinamento de técnicas minimamente invasivas e publicações no assunto. Ricardo Sales afirma que “o consenso deve coroar o trabalho já em andamento na última década, trazendo maior visibilidade e credibilidade junto às políticas públicas”.
Até o momento, o grupo de trabalho seguirá as recomendações do US Preventive Task Force de 2021, com indicação de tomografia computadorizada de baixa dose em pacientes com idade entre 50 e 80 anos, tabagistas ou ex- tabagistas há me- nos de 15 anos, que tenham carga tabágica igual ou superior há 20 anos/maço.
Segundo Luiz Fernando Pereira, pneumologista do Hospital das Clínicas da UFMG, Coordenador do Ambulatório de Cessação do Tabagismo, “um dos grandes diferenciais do Consenso Brasileiro será uma seção destinada a cessação do tabagismo, um dos pilares fundamentais, com redução de mortalidade por câncer de pulmão equivalente a sete anos de rastreamento, e que quando combinado a este, aumenta ainda mais a taxa de sucesso”. Ele informa que utilizando dados do IBGE e do Vigitel, a estimativa de brasileiros candidatos ao programa de rastreamento é de 3.257.799, podendo ser ainda maior se contabilizarmos os ex-tabagistas.
Ricardo Sales reitera a complexidade da análise de custo efetividade; não somente no Brasil, mas em todo o mundo. Segundo ele, não temos ainda nenhum estudo de custo efetividade para o rastreamento nacional; contudo, os estudos internacionais são promissores. Ele comenta a publicação de 2012, na revista “health affairs”, que mostra que seria possível rastrear toda a população de risco americana acrescentando apenas 1 dólar no custo do seguro individual da população. Para Ricardo, mais importante do que saber se é custo efetivo é sabermos se a sociedade está disposta a pagar esse custo. Dentro da comissão de rastreamento da SBCT, alguns colegas estão explorando o tema em maior profundidade.
O reconhecimento internacional das ações do Programa ProPulmão foi recentemente premiado com um grant da Fundação Bristol Meyers Squibb (BMSF) que está permitindo o desenho e construção do ProPulmão Móvel. Ricardo explica que o é ProPulmão Móvel. “É uma carreta totalmente equipada para realizar o recrutamento, seleção e execução da TCBD em população de risco em cidades distantes dos grandes centros urbanos no nordeste do Brasil, e a ação está sediada no centro universitário SENAI-CIMATEC na cidade de Salvador-BA, com alianças produtivas sendo feitas para o sucesso do projeto”.
A SBCT e demais sociedades médicas por meio de seus especialistas já vem discutindo propostas com o Ministério da Saúde, mas a implementação pelo Sistema Único de Saúde e pela iniciativa privada ainda não tem uma data prevista. Luiz Fernando acredita que após a publicação, uma parceria público-privada seja construída com este intuito.
Não restam dúvidas sobre a necessidade de estratégias que possibilitem o diagnóstico precoce do CP, com objetivo de redução de mortalidade e maior chance de cura, de forma custo- efetiva. Ficamos à espera da publicação brasileira.
Fonte: Jornal – SBCT – Edição de Setembro / 2022.
Disponível em: https://www.sbct.com.br/jornal/?_ga=2.132043855.1936274739.1663681689-1226620800.1663681689&_gl=1*w5ld8i*_ga*MTIyNjYyMDgwMC4xNjYzNjgxNjg5*_ga_LV5PNQD5JH*MTY2MzY4MTY4OC4xLjEuMTY2MzY4Mjc0MS4wLjAuMA