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Cirurgiãs torácicas do Brasil e a busca por representatividade

Durante muito tempo a Medicina foi um campo exclusivamente masculino. Em 1875, Lucas Championnaire, cirurgião francês, afirmou que as mulheres não poderiam seguir a carreira médica, a não ser que deixassem de ser mulheres. Podemos imaginar o que ele pensaria das cirurgiãs… Seis anos depois dessa declaração, formava-se nos Estados Unidos a primeira médica brasileira, Dra. Maria Augusto Generoso Estrela. Já no Brasil, a primeira médica a se formar foi a Dra. Rita Lobato, em 1887. Desde então, muito vem sendo construído (ou desconstruído) em relação à equidade
sexual na prática médica.

De acordo com o Demografia Médica 2020, desenvolvido pela Faculdade de Medicina da Universidade São Paulo, as mulheres já são maioria em grupos mais jovens e representam 58,5% entre os médicos de até 29 anos e 55,3% de 30 a 34 anos. Mas apesar do aumento progressivo das mulheres nas escolas de medicina do país, algumas especialidades ainda têm forte vinculação ao 15 #SBCTPARATODOS sexo masculino. E a Cirurgia Torácica é uma delas.

Maria Ribeiro Santos Morard, graduada pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública em 1979, foi a primeira mulher a conquistar o Título de Especialista em Cirurgia Torácica em 1984, quando nossa sociedade ainda era um departamento da Sociedade Brasileira de Pneumologia. Nesse que foi o quarto concurso para especialista, ela e mais 16 concorrentes, todos homens, foram avaliados e apenas quatro aprovados. Em 1997, a Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica foi oficialmente fundada e seu título então homologado. Com relação ao predomínio dos homens ela conta que “o preconceito que a gente diz velado, muitas vezes é revelado. Nós sempre fomos olhadas com certa desconfiança”.

Com sua forte personalidade e a felicidade de ter trabalhado com grandes chefes que acreditaram no seu trabalho, Maria Morard enfrentou os desafios e atualmente é chefe da divisão de Cirurgia Torácica e coordenadora da residência médica na especialidade no Hospital Universitário Gaffrée Guinle, no Rio de Janeiro.

Conforme levantamento de dados realizado junto à Sociedade Brasileira de Cirurgia Torácica (SBCT) em fevereiro de 2022, 114 mulheres são atualmente associadas, representando apenas 14,4% do total de membros. Destas, 17 são titulares, 1 adjunta, 75 aspirantes e 21 residentes. Interessante ressaltar que apenas 14,9% das mulheres são titulares, contra 37,8% dos homens associados. As associadas estão divididas entre 20 estados brasileiros, mas as tituladas ocupam apenas cinco estados – Bahia, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. Além de um menor número absoluto, menos mulheres realizam a Prova de Título ao final de sua formação, deixando clara a necessidade de fortalecermos o engajamento feminino na SBCT, inclusive em relação à Prova de Título de Especialista.

Sabemos ainda que existe uma desproporção de oportunidades entre gêneros, principalmente em cargos de liderança. Isso acaba interferindo no número de cirurgiãs que se apresentam como inspiração para as mais novas, mostrando a viabilidade de uma vida profissional de sucesso e uma vida familiar saudável. Nos congressos, em geral, também existe uma grande disparidade na grade de palestrantes, em sua maioria homens. No último Congresso Brasileiro de Cirurgia Torácica, realizado em 2021, isso não foi diferente. Entretanto, dos três temas livres selecionados cegamente para disputar como melhor trabalho, dois eram de autoria feminina e a vencedora foi Juliana Mol Trindade (SP).

A atual diretoria da SBCT, presidida por Artur Gomes Neto, conta com a participação de duas mulheres, Letícia Villiger (tesoureira) e Paula Ugalde (secretária de assuntos Internacionais) e vem lutando para aumento da representatividade feminina no cenário nacional. A SBCT conta ainda com um Departamento de Mulheres, coordenado por Maria Teresa Tsukazan (RS) e formado por Alyne Vilhena (MG), Ana Paula Israel (MG), Daniela Dias (SP), Fabíola Perin (RS), Flávia Coan Antunes (SC), Letícia Lauricella (SP), Lúcia Souza (AM), Lucy Anne (DF), Marina Brenner (RS), Marina Varela (MG) e Mariana Schetini (SP).

Segundo Maria Teresa, o departamento tem como objetivo principal a equidade entre gêneros na Cirurgia Torácica, garantindo oportunidades de qualidade às mulheres. Para isso são oferecidos estágios em centros formadores, com preceptoria feminina, além de mentoria visando o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional.

Apesar de termos nos distanciado do discurso sexista de Championnaire, a disparidade relacionada ao gênero na especialidade ainda está presente. Precisamos mudar, na prática, o rumo desta história e tornar as mulheres cirurgiãs torácicas acessíveis e respeitadas por seu trabalho, seja na assistência, no ensino ou na pesquisa. 

Fonte: Jornal – SBCT – Edição de Março / 2022.
Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1Z4zoym0biHBcEMdjQLR5PNMR-pcB191h/view?usp=sharing

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